“Eu nasci na
iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe.”
(Salmos 51:5)
Segundo
a teoria de alguns eisegetas (interpretes
que inserem seus conceitos particulares ao texto), o rei Davi não era filho
biológico de Jessé. Para um leitor e conhecedor da Bíblia, isso soa muito
estranho, pois em diversos textos é dito que Jessé é pai de Davi como irei demonstrar
no decorrer do estudo.
Um exemplo
de defensor desta teoria é o “pastor”
Marco Feliciano, que em uma de suas pregações alega que a mãe de Davi foi
estuprada por um escravo europeu, dando a luz a uma criança totalmente
diferente dos seus irmãos. E, com isso posto, passa interpretar o verso do
Salmo 51:5. Vejam que é um conceito que ele cria, e leva até o texto bíblico. Ele
não retira do texto o que o autor quis expressar, mas insere sua ideia. Como podemos ver no trecho deste vídeo:
Em primeiro lugar iremos tratar da alegação de que Jessé comprou um escravo europeu e, este estuprou sua mulher, gerando assim Davi, que por sua vez tornou-se um bastardo. De acordo com o livro de Deuteronômio, era inaceitável pela Lei mosaica que filhos ilegítimos tivessem lugar na assembleia de Israel:
“Nenhum bastardo entrará na assembleia do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará nela.” (Deuteronômio 23:2).
Aqui já vemos uma das impossibilidades de que Davi tenha sido gerado de outra pessoa, pois os israelitas, bem antes dos tempos de Jessé, repudiavam filhos nessa condição. Isso se reflete nos tempos dos juízes, com Jefté, que foi expulso da casa de seu pai por ser bastardo:
“Também a mulher de Gileade lhe deu filhos, os quais, quando já grandes, expulsaram Jefté e lhe disseram: Não herdarás em casa de nosso pai, porque és filho doutra mulher.” (Juízes 11:2).
Em segundo lugar a profecia de Isaias – o chamado profeta Messiânico -, sobre a vinda do Senhor Jesus. O profeta diz que surgirá do tronco um renovo, ou seja, um ramo que todos os gentios esperarão. Isaias fala claramente que da linhagem sanguínea, alguém da mesma natureza surgiria para o bem dos povos da terra:
“Naquele dia, recorrerão às nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos; a glória lhe será a morada. Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo.” (Isaías 11:10-11).
Jesus, como homem, tinha que ser da
linhagem sanguínea de Jessé, e, consequentemente de Davi. Se este não fosse filho
daquele, a profecia seria vã, pois Jesus pertenceria à linhagem de um escravo
europeu e um renovo desse escravo, e não de Jessé. Tal texto é tão esplêndido
que o apostolo Paulo traz sua importância para o mundo e, a aplicação em Jesus,
das palavras do profeta:
“Também
Isaías diz: Haverá a raiz de Jessé, aquele que se levanta para governar os
gentios; nele os gentios esperarão.”
(Romanos 15:12).
Em terceiro lugar seria a diferença
física de Davi para com seus irmãos. Esse ponto é o mais frágil, pois a Bíblia
mostra que, até irmãos gêmeos, podem possuir diferenças físicas marcantes. São os
chamados gêmeos dizigóticos ou bivitelinos. O livro de Gêneses nos mostra os
filhos de Isaque nesta condição:
“Saiu
o primeiro, ruivo, todo revestido de pelo; por isso, lhe chamaram Esaú.
Depois, nasceu o irmão; segurava com a mão o calcanhar de
Esaú; por isso, lhe chamaram Jacó. Era Isaque de sessenta anos, quando Rebeca
lhos deu à luz.” (Gênesis
25:25-26).
A diferença
entre os gêmeos era marcante que, até o pai, após a velhice e já cego,
conseguia perceber. Este foi o questionamento de Jacó para com sua mãe na
questão da benção da primogenitura:
“Disse
Jacó a Rebeca, sua mãe: Esaú, meu irmão, é homem cabeludo, e eu, homem liso.” (Gênesis 27:11).
Em
quarto lugar, tendo como gancho a argumentação anterior, há a questão de que os
israelitas possuem uma linhagem bem hibrida. A genética do povo não é
segregada, isolada. O próprio Jessé e, logicamente Davi, possuíam estrangeiros
bem próximos deles na árvore genealógica, a saber, Raabe de Jericó (antes da
chegada dos judeus) e Rute, uma moabita:
“Salmom
gerou de Raabe a Boaz; este, de Rute, gerou a Obede; e Obede, a Jessé; Jessé gerou ao rei Davi...” (Mateus 1:5-6a).
E já
aproveitando o texto do evangelista Mateus, vamos para a quinta colocação que
está sobre a palavra GEROU,
do
grego εγεννησεν (egennesen), de onde vem a palavra
GÊNESIS, que pode ser traduzida como ORIGEM. Isso nos mostra que, a origem, a gênese
de Davi é Jessé, como vários e vários textos explanam:
“Obede gerou a Jessé, e Jessé gerou a Davi.” (Rute 4:22).
“Jessé
gerou a Eliabe, seu primogênito, a Abinadabe, o segundo, a Simeia, o terceiro, a Natanael, o quarto, a Radai, o quinto,
a Ozém, o sexto, e a Davi, o sétimo.” (1º
Crônicas 2:13-15).
Existem
muitos outros, porém irei parar por aqui e apresentarei o sexto argumento com
base no texto de 1º Crônicas. Vemos que claramente o verso diz “... e a Davi, o sétimo”. Na cultura
judaica, muito diferente da nossa, onde os filhos caçulas são tratados com todo
cuidado, geralmente sendo servidos pelos outros irmãos, os israelitas
tinham-nos como os de menor expressão dentro da família. O primogênito era o
que dava ordens no lugar do pai, administrava os bens, e, tinha até maior parte
na refeição e herança. O mais novo não. Este era o que mais trabalhava e servia
os demais. Era o caso de Davi, que apascentava os rebanhos de seu pai, quando o
profeta Samuel foi vista-los, e todos estavam preparados para recebê-lo, menos
o mais novo, pois, tinha de trabalhar.
A INTERPRETAÇÃO DO SALMO
João Calvino, um verdadeiro exegeta (interprete que
retira ao máximo o que autor quis dizer no texto), ao interpretar o salmo 51:5,
foi muito feliz ao explicar que Davi estava indo muito além do pecado carnal
que cometera, mas que a passagem se referia a sua herança pecaminosa de Adão que ele (Davi) recebeu como ser
humano:
“Ele agora avança para além do mero
reconhecimento de um ou de muitos pecados, confessando que nada trouxera
consigo em sua entrada no mundo senão pecado, e que sua natureza era
inteiramente depravado”[1]
E,
isso corrobora com os ensinos ortodoxos e com a contextualização de muitos
outros poemas de lamento. O próprio Davi em outro lugar declara:
“Desviam-se os ímpios desde a sua concepção...” (Salmos 58:3a)
“Que
é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo?” (Jó 15:14)
Todos os seres humanos são nascidos
debaixo desse pecado herdado, e, mesmo um bebê vindo ao mundo, carece da graça
de Deus e de sua misericórdia, por ser nascido meramente pela carne. Foi isso o
que o salmista quis dizer no texto. Independente da idade que tenhamos, somos
pecadores:
“O
que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito.” (João 3:6).
CONCLUSÃO
O entendimento lógico que tenho, como
teólogo e pesquisador, observando os pregadores modernos, é que estes homens possuem uma
extrema necessidade de se mostrar espiritualidade. Quererem trazer novas
interpretações e supostas revelações, dizendo-se cheios do Espírito. Tentam encantar os fieis vendo e citando coisas
que ninguém mais viu: nem Deus, nem seus profetas, e, nem seus autores. São interpretações
subjetivas, que não refletem concepções teológicas corretas, desconhecendo a
Bíblia e o cristianismo ortodoxo.
Triste é que são pregadores como esses
que possuem suas igrejas lotadas e ministérios riquíssimos. Infectam o povo de
heresias e erros que negam claramente a Palavra de Deus.
Rômulo Lima
PS: A afirmação do “pastor” sobre o escravo europeu. Não quis me voltar para as
questões históricas da formação geopolítica do continente e do fato de que todo
região era pertencente ao continente asiático. Ele apenas expressou uma ideia moderna
de etnia europeia. Um estereótipo do homem branco em contraste com o restante
do mundo. O que não refletia a realidade da época de Davi.